Ritual, pompa e inovação: um experimento no cerimonial do Poder Judiciário
Inovar no Poder Judiciário exige sensibilidade. E quando o tema envolve as solenidades e os rituais — cuidadosamente construídos ao longo de décadas — o desafio ganha uma nova camada de complexidade.
É claro que mexer nesse tipo de rito desperta reações. A tradição confere solenidade, reforça hierarquias e simboliza o respeito à estrutura do Poder Judiciário. Mas será que não podemos ressignificar essa tradição à luz de uma justiça mais conectada com as pessoas? No LabLuz-TJCE, temos aprendido que inovação pública não se faz apenas com tecnologia ou automação. Às vezes, o que se precisa é de coragem para questionar tradições. E foi exatamente isso que fizemos, afinal, o não a gente já tinha.
Lembro de um juiz amigo aconselhando o seguinte: "Rapaz, essa é uma briga na qual não vale a pena entrar".
Em contrapartida eu lembro da lista de competências básicas para a inovaçaõ, listadas pela OCDE. Daquelas seis, a insurgência é a nossa favorita.
Pois bem, em agosto de 2024, paramos e fizemos algo simples (e revelador): assistimos aos eventos transmitidos pelo canal do TJCE no YouTube e cronometramos o tempo médio gasto na leitura das nominatas. Resultado? 6 minutos e 15 segundos, em média, dedicados apenas à enunciação de nomes e cargos nas aberturas das solenidades.
Com esse dado em mãos, enxergamos uma oportunidade. Alinhados ao Selo Linguagem Simples, parte do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, propusemos a abolição da nominata nos eventos do TJCE.
Mas não paramos por aí. Também idealizamos e implementamos um vídeo institucional enxuto, inclusivo e acolhedor, que explica essa mudança de protocolo e agora é utilizado na abertura dos eventos. Ele substitui a leitura extensa e formal das nominatas por uma linguagem mais acessível, respeitosa e objetiva — sem comprometer o prestígio institucional do momento.
Houve poucas solenidades desde a implementação da mudança, por isso ainda não temos dados do tamanho desse impacto, mas a nossa expectativa com esse experimento é clara: tornar as cerimônias mais dinâmicas, acessíveis e centradas no propósito do evento, sem perder o respeito institucional. Afinal, a verdadeira solenidade vem do conteúdo e do impacto do que se constrói — não da duração dos protocolos.
No fim das contas, esse não é apenas um experimento sobre eventos. É uma provocação sobre como rituais podem evoluir sem perder sua essência. E sobre como a linguagem — mesmo nos gestos — pode (e deve) ser simplificada para aproximar a Justiça de todos.
Vamos seguir testando, respeitando, simplificando e inovando.
Lições Aprendidas: Cerimonial e Inovação
1. Tradições são importantes — mas não são imutáveis.
O respeito aos rituais institucionais não impede a reflexão crítica. Pelo contrário: entender sua origem e função é o primeiro passo para torná-los mais significativos e adequados ao presente.
2. A inovação começa com perguntas incômodas.
Por que ainda fazemos isso? Ainda faz sentido? Essas perguntas simples, mas provocativas, foram o ponto de partida para um experimento que visava simplificar — e não desrespeitar — os protocolos cerimoniais.
3. Dados são aliados poderosos na conversa sobre mudança.
Cronometrar o tempo das nominatas nos eventos nos deu o insumo concreto que precisávamos para sustentar nossa proposta. Sem dados, o argumento vira opinião.
4. A linguagem (inclusive a simbólica) é uma ferramenta de inclusão.
Reduzir formalidades excessivas, simplificar a linguagem e tornar as cerimônias mais acolhedoras não tira o prestígio do momento — aproxima as pessoas dele.
5. Inovar exige insurgência — mas também escuta e respeito.
Mexer em ritos tradicionais exige tato, escuta ativa e uma boa dose de coragem. O segredo é propor com cuidado, testar com humildade e ajustar com inteligência.
6. Um experimento bem-sucedido tende a virar política institucional.
Ainda que este experimento esteja em fase inicial, ele já inspira uma reavaliação mais ampla sobre como os eventos são organizados, e aponta caminhos para uma cultura institucional mais leve, clara e próxima das pessoas.
- E-mail do laboratório: labluz@tjce.jus.br